Posted by : Mazaki89 sábado, 11 de agosto de 2018

Olá a todos!

Já tínhamos comentado em algumas oportunidades sobre a intenção de trazer neste ano alguns conteúdos criativos próprios para o site. Enquanto o quadrinho Constelação está em estado vegetativo (mando vibes positivas para que a Se-chan termine de editar o capítulo de uma vez) vamos com literatura com um conto que na verdade é a primeira parte de uma história de quatro capítulos.

Intocável, ou "Um lugar entre o passado que não me pertence e o futuro que posso alcançar" é uma história de ambientação fantástica, no mundo de Therimah, mas que não trata de fantasia por si. Aqui o enredo tem relação com política e, claro, romance entre garotas (que é o que nos interessa!). Tenho planejado escrever mais três partes de história, mas como cada uma delas é independente, podem se sentir tranquilos para ler esta aqui.

Sinopse: Na capital da poderosa nação de Astran, Catherin Sthargh se verá envolvida em um confronto político perigoso, envolvendo o Partido Nacionalista e uma força separatista dentro do Senado. Apesar de ser apenas uma estudiosa, Catherin irá confrontar Anita Stradovaus, uma pessoa que tem muito mais em comum consigo do que um parentesco distante.

Link para leitura no Wattpad: https://www.wattpad.com/616859315-intocável-parte-1-crime



Intocável

 ou “Um lugar entre o passado que não me pertence e o futuro que posso alcançar”


Parte 1 - Crime



— Só você pode fazer isto, Catherin. — foram as palavras que sentenciaram meu envolvimento naquele esquema impronunciável.

O lugar era um bar dentre tantos na periferia de Adram, Capital de Astran, uma das nações livres que obedeciam aos tratados de Doradem. Estava quente ali dentro, apesar da noite de outono típica lá fora. Lanternas amarelas iluminavam com irregularidade as dezenas de mesas. O cheio de cerveja barata e cigarro preenchia tudo, me levando a tossir volta e meia. Praticamente todos ali eram homens à exceção das garçonetes de avental desbotado e decotes proeminentes. Talvez até houvesse algo a se aproveitar de tal local obscuro, mas eu nunca frequentaria um lugar como aqueles se não tivesse sido convidada por meus camaradas.

Ou melhor, se não tivesse sido coagida por dois conhecidos de minha vizinhança materna a acompanhá-los. Pelos deuses tivesse sido capaz de escapar naquela noite:

— Vocês não podem estar falando sério. — foi a primeira coisa que respondi àquela delegação sumária. — Eu sou uma acadêmica, uma matemática, não uma assassina!

— Fale baixo, Sthargh! — chiou Oswald Erthta, um homem de vinte e tantos anos e cabelos já raleando. — Por Simes, podemos ser ouvidos por algum policial disfarçado.

Senti um arrepio correr minhas costas àquele alerta. Poderíamos estar sendo vigiados? Que tipo de pessoas seriam vigiadas pelas autoridades com tamanha discrição? Será que meu futuro acadêmico já estava comprometido antes mesmo de acatar a tarefa absurda que tentavam me incutir?

— Você não entendeu ainda a situação que estamos passando, Strargh. — retomou Robinson Goes, o homem louro e de barba que fora quem dissera as palavras cruciais anteriores. — Não há tempo. Você é a pessoa mais adequada que existe em toda esta cidade para dar cabo daquela piranha da Stradovaus.

— Piranha. . . — repeti, apertando as sobrancelhas em desagrado ao nível do insulto proferido.

— Todos sabem da história da sua família com o Stradovaus. — disse Oswald. — Você pode ver este momento como a derradeira vingança pelo que eles fizeram sua avó e sua mãe passarem. . .

— Sem sandices desse tipo, Erthta. — cortei-o, exasperando-me genuinamente. — Não busco nenhuma vendeta por conta do passado sombrio que assola o nome da minha família. Vejo em meu esforço próprio para progredir em minha carreira como uma forma de deixar estes assuntos do passado para. . .

— Bobagem. — interpôs-se Robinson. — Tua avó foi deixada na miséria pelo Conde Stradovaus. Tua mãe vive adoecida desde nova pela precariedade dessa vida de periferia. Poderia ser diferente se não fosse o mal-caratismo daquele velhote. Dizer que não tem apetece tirar a vida da filha legítima daquele paspalho é uma inverdade das mais descaradas, Catherin.

Engoli a saliva àquelas palavras. Lembrar do estado sempre lamurioso de minha mãe era algo covarde da parte do camarada. Por Simes eu havia crescido em uma casa onde o nome da família Stradovaus era maldito. Ainda assim a minha luta contra aquela sede de vingança brutal era genuína. Eu não iria matar uma desconhecida ainda que, em papeis técnicos, ela fosse. . .

— É sua tia, mas ainda é uma Senadora piranha que quer destruir nossa nação. — colocou Oswald, com os punhos serrados sobre a mesa. — Além disso é uma Stradovaus. Ela merece uma morte horrível por portar tanta heresia em um só corpo.

— Eu sequer sei qual é sua aparência, muito menos como encontrá-la. — meneei, sentindo meus braços tremerem pelo recuo perigoso que meu discurso estava fazendo. Já falava como uma assassina preguiçosa em potencial.

— Ela está no prédio do Senado. — disse o louro. — Seu escritório é o terceiro do segundo andar, no quadrante norte. É a única que ficará lá hoje, pois está se preparando para o Golpe contra o Estado que cometerá na sessão de amanhã.

— Você é uma acadêmica de alta consideração. — falou Oswald Erthta, após bebericar sua cerveja. — Uma das raras pessoas que jamais será parada por qualquer segurança mesmo que fique a perambular nos corredores do Senado à esta hora da noite.

Olhei para minhas mãos trêmulas ao colo. Eu não tinha nada a ver com aquilo, mas ainda assim sentia que não havia escapatória possível:

— Mas como irei fazer isso? — perguntei, levantando os olhos para os dois homens à minha frente.

— Com isto. — disse Erthta, puxando do bolso da calça algo embrulhado em um tecido marrom cheirando a óleo. — Um disparo silencioso que irá salvar nosso país de ser desmantelado.

Olhei para o embrulho pouco discreto. A forma do cano fino da pistola era aparente mesmo a uma primeira vista. Levantei a cabeça e os dois homens do Partido Nacionalista me encaravam sem sequer piscar. Minha pálpebra tremeu como em poucos cálculos fazia enquanto eu esgotava todas as minhas possibilidades mentais de escapar daquele lugar.

Fechei os olhos e inspirei fundo. Com as duas mãos recolhi o pacote maldito, escondendo-o com receio em um dos bolsos internos do meu casaco:

— Você vai ficar bem, Catherin. — disse Erthta, incrivelmente mais doce de um momento para o outro. — Ninguém vai pegá-la, e também não haverá como provar posteriormente. Tome cuidado para não ser vista indo para o quadrante norte e sua vida de estudos seguirá intocada.

Ele levou uma mão para tocar meus finos dedos sobre a mesa. Recuei os braços e levantei, respirando com força para manter um mínimo de firmeza na voz:

— Se algo me acontecer, pode ter certeza de que acontecerá muito pior a vocês, seus covardes. — ameacei, com a voz falha. Virei as costas e fui em direção à saída, sem esperar para saber as reações daqueles machos malditos.







Como haviam dito, o porteiro da entrada principal do Senado foi extremamente cortês quando apresentei meu documento oficial de ocupação. Falei-lhe que iria para a biblioteca no setor sudeste, onde ouvira da existência de alguns tomos de Cálculo Diferencial muito peculiares e pude ver seus olhos de leigo brilhando em admiração. Em situações comuns eu teria um certo orgulho daquela reação, mas naquela noite eu apenas sentia um misto de náusea e leve tontura constantes.

Passavam das vinte e duas horas. Não havia ninguém pelos corredores. Por precaução fui realmente até a tal biblioteca e peguei alguns livros de cálculo trigonométrico e números imaginários e espalhei na mesa mais próxima à saída. Um álibi para caso alguém viesse a questionar meus motivos daquela visita. Também utilizei uma saída alternativa da sala de estudos, sendo o mais silenciosa o possível. Se meus nervos já estavam alterados antes deste ponto, daqui em diante chegava a assustar-me com o farfalhar do tecido da minha capa púrpura sobre meus joelhos.

A pistola que Erthta me entregara viera com seis capsulas para serem inseridas no pente removível no cabo da arma. Era projéteis minúsculos, feitos de metal acobreado. O cano fino era prateado e o cabo inteiro ornado de feições florais agressivas. Eu caminhava com uma das mãos no bolso, segurando a arma, sentindo as pontas dos dedos a textura fria dos enfeites.

As luzes dos corredores dos pavilhões leste e norte estavam apagadas. Apenas a luz que vinha dos postes da rua e entrava pelas largas janelas de vidro iluminavam alguns trechos.

A certa altura parei meu caminhar cuidadoso. Estava no segundo piso da ala norte e uma fresta de luz amarela escapava por debaixo da porta de uma única sala.

O coração batia na garganta, quase me impedindo de respirar. E se ela estivesse com seguranças? Era óbvio que deveria, sendo uma figura pública tão polêmica. Os idiotas nacionalistas não tinham pensado sequer nisso? Ou talvez tivessem lhe enviado ali exatamente para que eu fosse descoberta e morta. Seria a mártir da luta do povo contra o Senado traidor.

Ainda dava tempo de voltar. Ainda dava. . . Minha mão suava o cabo da pistola. Por um momento pensei que não fosse conseguir respirar. Soltei um pouco aquele ferro maldito e balancei os braços, respirando e fechando os olhos.            

Tinha chegado longe demais para recuar. Puxei o capuz folgado do longo casaco sobre a cabeça e me coloquei diante da entrada. Voltei a segurar o cabo da pistola e, após uma contagem silenciosa, girei a maçaneta e dei um empurrão violento na porta.

 





— Mas o que?! — exclamou a mulher sentada por detrás de uma larga mesa tomada de papéis. Eu dei dois passos para dentro e ela se levantou de um salto quando viu a minha figura.

Eu tinha a pistola apontada para senadora:

— O. . . — tentou dizer Anita Stradovaus, em choque.

Porém seu choque não poderia ser maior do que o que eu mesma estava sentindo ao encarar seu rosto arredondado e cabelos cacheados.

Meu braço com a pistola foi baixando assim como meu queixo:

— Quem é você? — perguntou a senadora, tendo uma estatura baixa e um vestido rosado coberto por um sobretudo magenta.

Minha garganta estava seca. Fiz força para conseguir balbuciar algo:

— Naisha? — foi o nome que saltou quebrado dos meus lábios. O choque pareceu se tornar ainda maior na expressão de terror já presente na Stradovaus.

— M-M-Mas. . .

Puxei o capuz. Ela deu um grito, levando as mãos ao rosto. Por puro instinto eu fechei a porta atrás de mim. Sequer lembrava mais do que estava fazendo ali:

— Catherin? Catherin o que você. . . — ela tentou perguntar.

— Naisha. . . ou melhor, Anita Stradovaus. . . — eu falei, sentindo as pernas fraquejarem. Tropecei para frente e me recostei no largo sofá ao centro da sala. — Anita Stradosvaus. . .

— V-Você. . .

— Você mentiu sua identidade para mim durante aqueles dois meses. — falei, encarando-a.

— Claro que menti. — disse Anita. — Acha que uma pessoa como eu pode sair de férias para o litoral, viver um romance de veraneio e embebedar-se como qualquer outro? Minha vida sempre corre risco. . . Exatamente como agora.

— Romance de veraneio. . . — repeti. Pelos deuses, eu não sabia se tinha vontade de chorar ou descarregar toda aquela arma de uma vez naquela mulher maldita.

— Você sempre soube. . . — ela disse, assombrada. — Sempre esteve no meu encalço. . . Deve ser um desses loucos nacionalistas. Escória. . .

— Não. Eu não sabia. — afirmei, levantando. — Por Simes, eu não sabia. Eu nunca. . . — as palavras seguintes eram ardidas demais para saírem da minha garganta já tão seca.

— Então porque está aqui?

— Eu. . . — olhei para a arma na minha mão. — Eles precisavam de alguém para acabar com a piranha separatista.

— Piranha?!

— É como eles te chamam! Os do Partido!

Naisha, digo, Anita caminhou até mim. Estava lívida, fora de si. Já tinha visto aquela imagem antes, na única discussão que tínhamos tido nos dois longos meses em que nossa paixão “de veraneio” havia florescido.

Eu tinha me envolvido com Anita Stradovaus. Stradovaus.

Paf.

Ela me esbofeteou na cara:

— Você que é uma piranha, Catherin Sthargh! — ela esbravejou. — Uma piranha que me seduziu e que agora vai me matar em nome dessa gente estúpida do Partido Nacionalista! Dessa sua gente estúpida!

— Eu não. . . ! — engasguei falando. — Eu não sou do Partido, eu só. . . Por Simes, você está destruindo Astran. Qualquer um na rua que tenha a chance vai querer te dar um tiro no meio da cabeça.

Ela estreitou os olhos de maneira perigosa. Inspirou fundo:

— Quem está destruindo este país são vocês, conservadores egoístas de Adram que acham que todos neste país tem a maravilhosa qualidade de vida que vocês têm aqui. — ela entoou.

Eu estava tonta demais. Sentei no sofá e massageei a face do rosto atingida com a mão que ainda segurava a pistola:

— Do que está falando?

— Estou falando da guerra na fronteira com Zheiwan. — ela respondeu, ganhando uma convicção imensa àquela minha abertura. — Estamos a dez anos arrastando uma guerra que está acabando com todo o tesouro do país. Além disso as pessoas daquela região vivem uma miséria e terror inigualáveis.

— Ah. . . — perdi as palavras diante daquilo. De fato havia uma guerra em andamento há mais de uma década no norte do país. Os aumentos de impostos sempre eram justificados com os custos do conflito. Haviam boatos sobre os aviões dos halz e suas bombas químicas, mas eu nunca tinha lido muito a respeito nos jornais.

Sempre tinham notícias, mas aparentemente a rotina da batalha me tornara insensível ao assunto:

— Vocês Nacionalistas querem manter a unidade nacional, mas não enxergam que muitos de nós morrem todos os anos de fome, de doença e vítimas dos bombardeios do outro lado. — seguiu Anita, com a expressão de concentração, seus olhos fuzilando os meus. — Já faz tanto tempo dessa guerra que nem há mais um lado de cá e um de lá, apenas morte.

Minha garganta estava seca:

— Então o seu projeto. . .

— Projeto que assino, mas que é de autoria de inúmeros representantes deste país e do nosso vizinho. — corrigiu-me a senadora. — Este projeto visa sim mudar a configuração do território de Astran. Vamos tornar toda aquela região uma região independente administrada por ambos os lados.

— “Diminuir nosso território”. — falei, mais como uma repetição dos mantras que repetiam nas reuniões do Partido. Anita também sabia daquele slogan.

— Diminuir nosso território e cessar a matança de inocentes. — ela sentenciou.

Me calei com isto. Não iria cair na tentação de um negacionismo escapista. Eu não era um dos fanáticos do Partido:

— Vocês Nacionalistas amam a bandeira deste país, não as pessoas que aqui vivem. — ela acusou. Não lhe encarei para responder.

— Eu não sou um deles. Eu fui coagida a agir em nome da causa. — defendi.

Stradovaus pareceu satisfeita com meu estado de derrota moral. Bufou e sacudiu os ombros como se tentasse diminuir a tensão imensa da situação. Caminhou de volta A sua mesa e sentou, apoiando os cotovelos sobre o tampo da mesa.

Permanecemos no silêncio barulhentos dos pensamentos individuais por longos minutos:

— Nunca pensei que me envolveria com uma assassina. — ela colocou, azeda.

— Eu não sou uma assassina! — respondi, me exaltando de imediato.

— Não parece, olhando deste ângulo.

Eu ainda estava em pé, com a pistola firme na mão direita. Soltei a arma sobre a mesinha de centro como quem tenta se livrar de algo repugnante. Caminhei até a poltrona diante da larga mesa de Anita. Me soltei sobre o acolchoado como se meu corpo pesasse três vezes mais do que o usual:

— Mesmo que você não fosse a senadora separatista já mereceria tomar um tiro no meio da cara por ter me usado como fez. — falei, o amargor subindo do esôfago para minha boca e nariz. — Romance de veraneio. . .

— Eu a usei? — indagou ela, ríspida. — Você que me espionou e agora vem com essa conversa.

Suspirei e escondi o rosto com uma das mãos. Minhas têmporas latejavam de tudo o que estava acontecendo. Eu sabia que seria a pior noite da minha vida, mas jamais poderia prever que seria uma agonia tão mais longa e pessoal.

Eu já tinha jurado amor pela filha legítma de Stradovaus. Uma razoável porção do mesmo sangue circulava em ambas as nossas veias, mas isso Naisha sequer sabia.

Digo, Anita:

— Você. . . — começou a senadora, com um tom muito mais sóbrio do que ouvira até então. — Você realmente não estava lá para espionar?

Não levantei a cabeça. Dentro dos meus olhos serrados luzes explodiam no escuro das minhas pálpebras:

— Eu te disse quem eu era. Uma matemática alocada na Universidade de Astran. — murmurei.

— Eu sei. Pelos deuses, eu fiquei paranoica depois que voltei para cá. — ela falou. — Pensava na possibilidade de encontrá-la em uma esquina. Estragar todo o disfarce.

— É, nos encontramos em uma esquina bem inesperada. — afirmei. Nos meus pensamentos eu fazia um esforço enorme para colocar de lado o que só eu sabia.

— Jamais aconteceria se você não fosse levada pela conversa fiada desse Nacionalistas.

Meus olhos se ergueram para Anita:

— E nem se você não tivesse mentido sobre tudo. — sibilei. — Romance de veraneio. . . Que merda mesmo.

Levantei num movimento brusco. Eu não ia matar aquela mulher. Tinha que sair dali. Provavelmente sair da cidade, do país:

— Espera, onde você vai? — Stradovaus questionou quando me viu virar e dar os dois primeiros passos para longe.

— Para onde eu vou? Vou embora. — era insuportável. Minha dor física misturava emocional e me fazia explodir de raiva com ela. — Vou para o raio que me parta, porque ameacei de morte a excelentíssima piranha separatista. Que diabos eu soubesse naquele dia que iria me desgraçar dessa maneira, eu jamais. . .

Eu falava enquanto encarava a porta da sala, cuspindo todo o rancor que estava entalado no peito. Porém minha enxurrada de ódio congelou na garganta quando senti algo tocar no meio das minhas costas. Um peso:

— Calma. — sussurrou Anita, tão baixo que eu só pude ouvir pela proximidade. Ela tinha a cabeça encostada em mim. — Eu não. . . Você não precisa fugir pra lugar nenhum. Não vou complicar a sua vida.

Me afastei e me virei para encará-la de cima. Seu rosto era delicado, seus traços tão suaves como eu lembrava. Minha cabeça já atordoada teve que lidar com mais a força dos impulsos que a proximidade de Naisha incitava.

Naisha. Naisha. Eu tinha repetido tantas vezes um nome falso. Aquele som ainda me soava tão doce e erótico. . . Porém:

— Romance de veraneio. . . — repeti uma vez mais. Os olhos já proeminentes dela se abriram mais.

— Catherin. . . — ela quis dizer, mas eu não queria ouvir.

— Já faz quase um ano desde aquele verão no litoral de Neocidi. — retomei, sem conseguir mais medir o que estava falando. Parecia que os pensamentos haviam desistido de mim, deixando apenas um zunido incômodo para trás. — Passei quase todo esse tempo pensando se um dia iria te encontrar de novo.

Ela baixou os olhos claros dos meus. Apertou a ponte do nariz com os dedos, suspirando:

— E tudo foi uma mentira. Uma aventura de férias. — segui, sentindo o esgotamento.

— Não foi tudo uma mentira. — ela rebateu, parecendo também já cansada.

— E o que não foi? — desafiei. Ela voltou a me encarar e eu podia ver o brilho no seu olhar. Parecia que não havia passado nenhum dia desde que vira aquela cor pela última vez.

— Isso não foi. — ela respondeu, indo ao gesto.

Nossos lábios se tocaram quando ela puxou meu casaco para baixo. Eu hesitei, relembrando em um segundo todas as coisas que já tinha pensado desde que entrara naquela sala. O tamanho da gravidade do que estava acontecendo. A traição aos idiotas do Partido. A humilhação ao nome da minha miserável família.

Mas eu desejava aqueles lábios. Os lábios de Anita Stradovaus. Eu queria tudo.

Mergulhei aquele toque. Abracei seu corpo delicado, apertando-o contra mim. Senti cada átimo da presença dela como uma realidade estupenda, inebriante, quase enlouquecedora. Um único instante de lucidez me conteve no desespero da minha carência:

— Maldita. . . — falei de voz quebrada, encarando o rosto ainda tão próximo e lívido dela.

— Catherin. . . — ela correspondeu. Seu tom era de uma agudeza quase inapropriada. — Me perdoe.

— Por me enganar ou por tentar destruir o país? — questionei, deixando um sorriso escapar-me por desatenção.

— Eu nunca pediria perdão por salvar o que resta do Norte. — ela rebateu, com toda a seriedade. — Portanto me perdoe por ter sido covarde.

Soltei-a de mim, usado a minha renovada capacidade de raciocínio para tentar avaliar a situação:

— Os camaradas do Partido jamais irão me perdoar. — disse. — Minha vida será transformada em inferno por ser uma covarde.

— Por que não vens comigo para o Norte? — perguntou Anita e eu lhe respondi com uma expressão de perplexidade. — A emancipação assistida da província contará com um governo local mínimo ao qual eu irei me unir em regime permanente. Uma intelectual como você também poderá fazer muito para reerguer aquele povo.

— Eu? Mas sou apenas uma matemática.

— Precisaremos de cálculos para construir estradas, ferrovias, pontes. — afirmou Stradovaus. — Além disso aquela região está devastada. Os jovens vivem para tentar conseguir comida. Lhes falta toda sorte de estudo imaginado. Mentes como a sua podem fazer muito por um povo nessas condições.

Me afastei de Anita, dando a volta na mesa de centro e sentando diante da mesma. A pistola com a qual iria cometer um crime estava ali, brilhando às luzes químicas da sala. Parecia fazer anos desde que eu estivera no corredor escuro, ponderando se fugiria ou cumpriria a imposição do Partido. De assassina agora me via como mente recrutada para ajudar na reconstrução de um novo país que nascia da devastação da guerra.

E isso ao lado de Anita Stradovaus. Stradovaus:

— O que diz? — perguntou-me ela quando alonguei o momento de silêncio.

Encarei seus olhos verdes. Em algum ponto em me sentia desprezível, mas na maioria havia uma vontade primitiva de viver, como se tentasse emergir das profundezas da água fria:

— Parece uma boa proposta se for para ficar mais do que um verão lá.

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